O mocinho, o vilão e a transmissão folhetinesca do futebol

Nem o Neymar é mocinho, tampouco Zúñiga é vilão, embora a lesão no brasileiro seja lamentável e triste. Por mais que tentemos justificar nossas opiniões dicotomicamente, o mundo nunca foi dividido em polos onde de um lado estão os bonzinhos e do outro os malvados. Se não somos uma coisa ou outra, isso significa que somos bons e maus e isto é intrínseco.

Bem, isto posto, avancemos. Todos sabemos que ver um jogo na TV e no estádio são experiências absolutamente distintas, são, sim, dois jogos diferentes. Isso porque no primeiro caso as dinâmicas típicas do folhetim televisivo, as novelas, atualizam (talvez inconscientemente) modos de ser da televisão na cobertura do evento esportivo. Daí que se naturaliza um modo de compreender o que acontece nas quatro linhas a partir desta lógica dualista, que reduz a complexidade dos fluxos da partida aos cortes da transmissão, à construção discursiva dos jornalistas, às formas do que se diz a partir do não dito.

Desculpem-me os incautos, mas Neymar não é mocinho, tampouco Zúñiga é vilão. Brasil e Colômbia foi o jogo mais faltoso do mundial, ao todo 54 infrações, das quais 31 cometidas pela seleção Brasileira. Os brasileiros parecem ter sido mais duros que os colombianos no que diz respeito às jogadas proibidas. Seria, então, os brasileiros mais malvados?

Vi e revi inúmeras vezes (por conta das transmissões em diferentes emissoras) o lance em que Neymar se machucou. O colombiano Zúñiga ao se projetar para disputar a bola salta um metro antes de encostar no atacante brasileiro dobrando a perna direita, que aliás lhe deu impulso ao salto, e só para ao se chocar com Neymar. A “comoção” nacional se justifica mais pela lesão, que foi razoavelmente grave, que pela jogada. Mas lembremos, também, que o camisa 10 da canarinho, no jogo contra a Croácia, ao dividir uma bola com Modric, projetou intencionalmente seu braço no rosto do adversário e nem por isso tornou-se um vilão.

Por fim, que dizer dos brasileiros, que ameaçaram a filha de Zúñiga, que vaiaram o hino do Chile e toda a sorte de gente que não são capazes de verem em si o mal banal que outorgam ao colombiano. O mundo nunca foi dividido entre bons e maus, por mais que as transmissões televisivas nos convidem a pensar deste modo. Se reduzirmos a multidão (multitude) que habita o mundo a massas de bons e maus, jamais teremos condições de ter uma posição ética compatível com os desafios do século XXI.  Então, meus caros amigos, se é para combater o mal, que comecemos por aquele que mora em nós mesmos , mas que tendemos a vê-lo somente nos outros.

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